terça-feira, 8 de maio de 2012

História do Direito Processual Civil no Brasil

História do Direito Processual Civil no Brasil
MARIA STEPHANY DOS SANTOS, 7º PERÍODO, NOTURNO III.

Uma gama de doutrinadores[1] acredita que antes da criação do estado existiu o direito natural, denominado na doutrina de jusnaturalismo[2]·. O filósofo inglês Thomas Hobbes descreve na sua obra intitulada de Leviathan, em 1651, que antes da criação do estado as pessoas estavam livres, para exercer livremente suas vontades, desejos. Isso, conforme ele descreve geraria conflitos, guerra, miséria e destruição mútua e, nesse estado de natureza, os indivíduos viviam em uma situação de anarquia[3]. Logo, este modelo não vigorou fazendo surgir assim leis que regulassem a vida em conjunto para a concretude da harmonia social. “Por este motivo, os homens reúnem-se criando sociedades organizadas. Abdicam de seus direitos naturais, entregando todo o poder a uma autoridade central, ao Estado.” [4]. Corroborando com essa ideia de Estado descreve Kelsen. “Ora, o Estado, neste sentido, nada mais é que o conjunto das normas que prescrevem sanções de uma forma organizada”. [5]
A necessidade de controle na vida social foi decorrente dos fatos sociais[6], e para os filósofos a criação do estado surge como poder separado da sociedade encarregado de dirigi-lo. Para explicar melhor nosso ponto de vista, aproveitamos o conceito usado pela filosofa Marilena Chaui
“Em outras palavras, retiraram dos indivíduos privados o direito de fazer justiça com as próprias mãos e de vingar por si mesmos uma ofensa ou um crime. O monopólio da força, da vingança e da violência passou para o Estado, sob a lei e o direito”. (Marilena Chaui, Convite à Filosofia, p.352).
As leis foram impostas por um ente denominado assim de Estado, trazendo para si a responsabilidade de resoluções de possíveis conflitos. Deste modo, se observou as diversas modalidades e aplicabilidades do direito (autotutela; autonomia; heteronomia). E para que não houvesse mais injustiças se fez necessário à criação de normas que regulamentasse os conflitos de interesses estabelecidos pelas partes Assim, o estado utiliza o direito processual para resolver as lides[7] instauradas na sociedade. Assim, como define com maestria o doutrinador Humberto Theodoro Junior.
“... deviam os particulares fazer justiça pelas próprias mãos e que os seus conflitos deveriam ser submetidos a julgamento de autoridade publica, fez-se presente a necessidade de regulamentar a atividade da administração da Justiça. E, desde então, surgiram às normas jurídicas processuais” (Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito Processual Civil – Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento, Vol. I, p. 12).
Sobre a origem do processo civil vislumbramos respaldo seu no período do mundo clássico greco-romano. Pois, foi a partir deste período que o processo começou a se desvincular de superstições e preconceitos religiosos ganhando características particulares. Diante dessa perspectiva o processo grego não deixou muitas evidências. O que se sabe é que naquela época, como se verificou na Retórica de Aristóteles, em matéria de prova (documental; testemunhal) eram muito avançados; exerciam o principio da oralidade; o principio do contraditório; e a audiência bilateral. O mais importante era a livre apreciação da prova pelo julgador como preleciona o doutrinador Humberto Theodoro Junior “... que exercia uma critica lógica e racional, sem se ater a valorações legais prévias em torno de determinadas espécies de prova.”.
Neste contexto passamos a analisar também a presença do direito processual no direito romano. Este foi muito influenciado pelo direito Greco; passando a utilizar a prática da livre apreciação das provas; no estopim deste o juiz era tratado como árbitro, que utilizava do seu critério pessoal (valoração) para resolução de litígios, onde a lei não prévia soluções específicas. Depois desse período passou-se a analisar o juiz como “um instrumento de certeza e de paz”, onde este passava apenas a usar as provas trazidas ao processo, e a sentença valor único para as partes, ou seja, não teria dois valores, duas decisões em um único caso. Sergio Bermudes define três períodos deste direito com muita maestria e assim destacado pelo doutrinador Humberto Theodoro Junior[8]
a)    Período primitivo do Processo Civilà Denominado de Legis Actiones, neste momento apenas as partes podiam movimentar o processo (impulso das partes), não havia advogados. Havia cinco tipos de ações o processo era solene e eram observados alguns gestos e palavras que eram obrigatórias, que acaso não fossem realizadas a parte que deixou de fazer perdia a demanda. O processo era oral, uma parte perante o juiz e a outra parte perante os árbitros (que neste momento eram cidadãos), estes últimos e que coletavam e sentenciavam;
b)    Período Formulário do Processo Civilà Foi abolido as práticas do Legis Actiones e, o juiz ficava incumbido de analisar o caso concreto e ver a fórmula de ações. O processo abarcou as mesmas características do período anterior. O que diferencia do período anterior foi a forte atuação do juiz. Já havia a atuação de advogados, e os princípios do livre convencimento do juiz e do contraditório das partes. E a sentença embora proferida pelos árbitros ainda, o Estado neste momento passou a ter interesse de observar esta produção;
c)    Período da Cognitio Extraordinária do Processo Civilà Ganhou características um pouco semelhante com o nosso atual código de processo civil, o processo passou a ser apreciado pelo estado, desaparecendo a figura dos árbitros privados. Passou a ter forma escrita; pedido do autor; defesa do réu; instrução; sentença e execução. Existia a citação por funcionários públicos e recursos, que usavam da força para executar as sentenças. Fase denominada pelo doutrinador Humberto Theodoro Junior de surgimento dos germes do processo civil.
Depois, destas melhorias e avanços no processo veio à queda brusca pelo retrocesso abarcado pelo povo germânico (também conhecidos como bárbaros), efetuavam o processo através de um modelo conhecido como ordálico, ou seja, a presença de um deus para a resolução dos litígios; logo, as provas eram restritas, não tinha a liberdade do juiz, este apenas verificava a existência dessas provas no processo. Assim, este processo era totalmente acusatório (baseado em crenças; divindades). Este procedimento, na ilação de Jeremias Bentham, citado por Humberto, “autênticos jogos de azar ou cenas de bruxaria, e, em de julgamentos lógicos, eram confiados a exorcistas e verdugos.” [9]. A coisa só veio melhorar com o surgimento das universidades que trouxeram à tona o conceito real do processo civil abarcado pelo povo romano. Com isso, houve a união das peculiaridades do povo romano, germânico e canônico, surgindo o processo comum (era escrito; lento e muito complicado), ainda encontramos este modelo vigente nas legislações ocidentais. Expandiu-se pela Europa dando azo ao processo moderno. [10]
Começou o processo moderno cientifico do processo civil quando se deu poderes ao juiz, produzir e apreciar de ofício provas para o alcance da justiça, reconhecendo princípios importantes. Deixando assim o magistrado de ser um mero expectador a controlador. Assim, a aproximação do CPP e CPC. Tais prerrogativas atualmente vigoram na América Latina e em quase todos os códigos europeus. Confirmando essa ideia descreve Humberto que, “O processo civil passou, então, a ser visto como instrumento de pacificação social e de realização da vontade da lei e apenas secundariamente como remédio de interesses particulares.”.
Neste diapasão, passamos a analisar neste momento a evolução do processo civil no Brasil. A evolução histórica do direito processual no Brasil, se deu por herança de Portugal contida nas ordenações Filipinas; Manuelinas e Afonsinas de onde decorrem do direito romano e canônico. No livro III das ordenações Filipinas, estavam consagradas o direito processual civil, que era contido pelo principio dispositivo e o seu procedimento pelo impulso das partes, de forma escrita se desenrolando através de fases rigidamente distintas. Neste período também foi criado o CPP, que não merece maiores ilações neste trabalho. Mas, vale aqui mencionar a importância para o processo civil.[11].
“Se o próprio Código foi obra de inegáveis méritos, melhor ainda foi à sintética e exemplar “disposição provisória acerca da administração da justiça civil” que a ele se anexou como título único. Com apenas vinte-e-sete artigos, a disposição provisória simplificou o processo, suprimiu formalidades excessivas e inúteis, exclui recursos desnecessários- enfim criou condições excelentes para a consecução das finalidades do processo civil, estabelecendo a base para um futuro processo civil, que, infelizmente, não veio a ser elaborado”. (Ada Pellegrini Grinover et al, Teoria Geral do Processo, 19º.ed, p.111).
Com isto veio à promulgação do Código Comercial de 1850, onde se fez necessário à criação de uma legislação que o completasse. Daí, o surgimento do regulamento 737. Este, recebendo elogios e críticas, dividindo opiniões. O que ocorreu, em virtude de prolongada campana, através da Lei nº 2.033, de 20.09.1871(reg. Pelo dec.nº 4.824, de 22.11.71); voltou a se utilizar a disposição provisória do antigo CPP do império aqui já mencionada. Mas, o reg.737 foi o marco da celeridade; economia e simplicidade processual.
Com o advento da Constituição de 1891 no período republicano criaram-se códigos estaduais onde se estabeleceu a divisão das justiças em federal e estadual, criando um código processual da União (preparada por Higino Duarte Pereira, aprovada pelo Dec.nº3. 084, de 1898), este ficou claro que não abarcou nenhuma nova ideia, atualização, por falta de preparo dos legisladores. Apenas, no estado da Bahia e de São Paulo e que vislumbramos inovações no direito processual civil.[12].
Mas, estes modelos estaduais na prática não obtiveram muito êxito. Logo, a constituição de 1934 em seu artigo 5º, XIX,a, descreveu quem teria competência para legislar sobre o processo (a UNIÃO). Conforme, descreve o doutrinador Humberto, Pedro Batista Martins, um dos membros da comissão criadora do processo, elaborou o processo. Que, foi aprovado pelo Ministro Francisco Campos, e transformado em lei pelo Dec. Nº 1.608, de 1939, passado pelo período de vacância, entrou em vigor no dia 01.03.1940. Os processualistas críticos aduziam que este código na parte geral era cheio de inovações, porém na parte de recursos e execução, ainda abrangia modelos arcaicos da época medieval.
Após, dez anos de muita discussão no ano de 1973 ocorreu à reforma do código de 1939, baseada no projeto redigido pelo Ministro Alfredo Buzaid e revisto pela comissão formada pelos juristas, José Frederico Marques, Luiz Machado Guimarães e Luís Antônio de Andrade. Surgindo assim o novo (assim nascendo entre nós uma nova etapa do processo civil no Brasil) Código de Processo Civil atualmente em vigor. Possuindo 1.220 artigos divididos em cinco livros. I- Do processo de conhecimento; II- Do processo de execução; III- Do processo cautelar; IV- Dos procedimentos especiais; V- Das disposições gerais e transitórias.
A grande mudança do direito processual no tempo, desde a época onde havia a individualidade sem muito apoio do estado e atualmente a forte importância do estado (relação angular) [13]. Com isso, percebemos que estas mudanças são decorrentes da necessidade da sociedade e principalmente no conceito de abandonar formas e gestos; para sim alcançar o fim colimado pelo direito que é a justiça.
Com isso, chegamos ao século XXI e logo percebermos a defasagem do direito processual civil vigente. Apesar da recente mudança pela Lei nº 11.282/2006, com a introdução da emenda nº45/2004, não foi alcançado à celeridade que os processualistas tanto reclamam na história desde o período Justiniano (sec.VI). Desde o ano de 2009 há uma comissão de grandes processualistas brasileiros, reunidos para a feitura de um NCPC com o intuito de trazer a sociedade o principio da celeridade. Ora, sem prejudicar os demais direitos. Podemos analisar essa questão bem com o NEOPROCESSUALISMO que tem como prisma trazer os princípios constitucionais para o processo civil. Não querendo aqui dizer que, estes princípios não estão vigentes, mais dizer que se busca atualmente uma efetivação maior no que tange ao tempo que se leva a prestação jurisdicional.


[1] Celso e Ulpiano; Tomás de Aquino; Thomas Hobbes; Jean Jacques Rosseau; Samuel Pufendorf; asseveravam que antes da criação do estado, existia o direito natural.
[2] “...Entende-se por jusnaturalismo toda postura que afirme a existência, para além e acima do direito positivo, de uma ordem preceptiva de caráter objetivo, imutável e derivada da natureza, a qual não podem contrariar os mandamentos dos homens e na qual encontra esse direito humano na sua fonte e fundamento” Fernández Galiano, Antonio. El iusnaturalismo. In:___________: Castro CID, Benito de. Lecciones de teoria del derecho y derecho natural.p.419-420(tradução livre). Apud. Jusnaturalismo Clássico e Jusnaturalismo Racionalista: Aspectos destacados para Acadêmicos Do Curso de Direito. Disponível em: http://www.uepg.br/propesp/publicatio/hum/2007_1/asalangela.pdf. Acessado em 17/03/2012.
[3] Modelo onde o mais forte mandava no mais fraco, prevalecendo o desrespeito e a luta pela satisfação dos interesses egoístas.
[4] DIMOULIS. Dimitri. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 2ºed.—Ed. Revista dos Tribunais, 2008, p.24.
[5] COELHO. Fábio Ulhoa. Para Entender Kelsen. 4º ed.—Ed.Saraiva, 2001, p. XX.
[6] A forma da propriedade da terra; urbanização; divisão territorial.
[7] No conceito clássico de Francesco Carnelutti corresponde a um conflito de interesses.
[8] JÚNIOR. Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil- Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 47º. Vol I – Editora Gen, 2009, p.22.
[9] Ob.cit.p.14.
[10] FRANCO. Loren Dutra. Processo Civil—Origem e Evolução Histórica. P.5
[11] JÚNIOR. Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil- Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 47º. Vol I – Editora Gen, 2009, p.15.
[12] Ob.Cit. p. 17.

[13] Este conceito depreende-se da relação jurídica processual (juiz, e as partes). Formando a relação angular.

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